INOVAÇÃO ABERTA: governo deve buscar cooperação com sociedade para demandas em políticas públicas

Evento promovido pelo C3SL evidencia a necessidade de uma gestão descentralizada do governo, integrada à iniciativa privada e startups com foco em inovação

Gerar ideias e iniciativas inovadoras para a sociedade a partir de um sistema de parceria entre os governos municipais, estaduais e federal com agentes externos, como entidades e empresas privadas. Este é o cerne do conceito de Inovação Aberta nos Governos, tema da mesa redonda promovida nesta quarta-feira (24) pelo Centro de Computação Científica e Software Livre (C3SL) e pelo Departamento de Informática (Dinf) da UFPR.

O evento reuniu cerca de 50 alunos, pesquisadores e professores da universidade e contou com palestras do assessor Técnico na GNova, laboratório de inovação da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), Luís Guilherme Izycki, do pesquisador do C3SL, professor Marcos Sfair Sunye, e da coordenadora do Curso de Medicina da UFPR, Camila Girardi Fachin.

Apesar de ser o principal responsável por desenvolver políticas públicas, o governo não precisa estar sozinho na busca por soluções que atendam as necessidades da sociedade, é o que defende Luís Guilherme Izycki, da GNova/Enap. Para isso, segundo Luís Izycki, o governo deve optar por uma gestão descentralizada de projetos, com foco na cooperação entre a iniciativa privada e setores da sociedade civil para resolver problemas sociais.

Com origem no campo econômico, a proposta da Inovação Aberta propõe a quebra do paradigma de uma inovação centrada na rivalidade e falta de cooperativismo entre instituições e o governo. A competitividade entre governo e iniciativa privada ou sociedade é trocada por um ecossistema de inovação em que os entes públicos passam a fomentar a integração entre os agentes da sociedade para busca de soluções.

“Como governo, nosso investimento e a nossa intenção é trazer possibilidades, do ponto de vista da oferta e demanda, a partir das mentes criativas da sociedade. É isso que resultará em um horizonte de soluções. Nem sempre terá capacidade de alcançar resoluções de problemas focados nas demandas de política públicas a partir de ações próprias. É neste ponto que ele deve buscar na Inovação Aberta para Governos uma forma de atuar em cocriação com agentes da sociedade que apresentem condições de resolver os problemas que fogem da possibilidade de resposta do poder público”, aponta Luís Izycki.

Uma das frentes do Governo Federal no uso de gestão de Inovação Aberta é o Laboratório de Inovação em Governo (GNova), vinculado à Escola Nacional de Administração Pública (Enap). O Gnova atua como uma assessoria técnica que auxilia os entes públicos e a sociedade no desenvolvimento de projetos com foco em soluções para políticas públicas. “O papel da GNova é de ser a viabilizadora da cooperação e do processo. O problema público a ser resolvido continua sendo do ente, como o município, por exemplo. Os processos formais continuam sendo responsabilidade dele, com contratações por meio de editais. Mas a forma de produzir e organizar os editais, de pensar em estratégias disruptivas e de inovação para buscar solução aos seus problemas, conta com a expertise da GNova”, destaca o assessor técnico.

INOVAÇÃO DEPENDE DE UMA POLÍTICA DE DADOS – Alinhado à ideia de descentralização do governo sobre os projetos com impacto na sociedade e de uma desburocratização da gestão pública, o pesquisador do C3SL, Marcos Sfair Sunye, reforçou na mesa redonda a importância de uma política efetiva de dados abertos.

Um cenário com oferta de dados brutos por parte dos entes públicos pode permitir por parte da sociedade e de instituições de incentivo à pesquisa a oferta de soluções que atendam às demandas da população.

Sunye rememorou como exemplo a criação em 2013 de um aplicativo desenvolvido por alunos de informática da UFPR que permitia ao usuário do transporte público de Curitiba acompanhar em tempo real o fluxo dos ônibus. Isso foi possível pelo acesso aos dados que estavam disponíveis no site da Urbs, e que indicavam ponto a ponto a localização dos ônibus. “Foi um exemplo de uma ação que gerou uma repercussão social muito grande, e que deu dimensão do impacto da inovação a partir dos dados abertos. Não que os governos deixem de usar estes dados. Muitas vezes até percebemos iniciativas da gestão pública em desenvolver alguma aplicação para alcançar a população. Mas nem sempre o resultado é satisfatório. Neste caso, o ideal é que mantenha os dados abertos para que outros agentes possam desenvolver inovações que deem conta das demandas da sociedade”, reforça o pesquisador da UFPR.

Neste aspecto, o papel da universidade é aumentar a qualidade e a continuidade para os dados públicos. “É função da Universidade pegar os dados brutos e disponibilizar eles para a sociedade. Dados brutos, não dados trabalhados. Os dados com intervenção apresentam um alinhamento ou ainda um recorte que pode ser limitador do seu uso. Precisamos trabalhar melhor os dados com a sociedade. E é isso que buscamos aqui no C3SL como laboratório. Criar alternativas de tecnologias de software livre, sem aprisionamento de dados, que tenham impacto na sociedade de forma geral, em áreas como saúde, educação, comunicação e questões sociais”, reitera.

Para o pesquisador, falta a percepção dos gestores públicos sobre a relevância e real valor dos dados. Como exemplo disso, Sunye destacou situações em que grandes empresas de tecnologia cedem o uso de sistemas com código proprietário em hospitais. O que esta ação supostamente altruísta não revela é que a empresa de tecnologia acaba tendo acesso a todos os dados de diagnósticos e demais informações que passam a circular neste sistema.  É na contramão dessa postura que atua o C3SL, com projetos que têm como razão o desaprisionamento dos dados, e incentivo ao Software Livre. Prova disso é a iniciativa inovadora do C3SL tornar a filosofia do Software Livre como princípio para seus próprios projetos, que são publicados com o código-fonte aberto, disponíveis para acesso público (https://gitlab.c3sl.ufpr.br/explore/projects). Outro ponto é o projeto de espelhamento dos programas, que faz do C3SL a maior referência do hemisfério Sul dedicado a software livre. Há duas décadas o C3SL hospeda e distribui uma série de programas como Ubuntu, Debian, Kurumin Linux e SurceForge. “Por sermos referência, somos procurados de forma recorrente por desenvolvedores de sistemas e programas em software livre para hospedarmos novos projetos”, diz Sunye.

A BUROCRACIA COMO ENTRAVE DA INOVAÇÃO – Refletindo sobre a realidade da pesquisa em saúde, sobretudo com foco no Hospital de Clínicas, a coordenadora do Curso de Medicina da UFPR, Camila Girardi Fachin, apontou a urgência da desburocratização como forma de incentivar a inovação. Apesar de ser um dos principais centros de pesquisa e referência como hospital público, de acordo com Camila, o HC tem sofrido um êxodo de pesquisadores quando o assunto é pesquisa, devido a um sistema altamente burocratizado. Segundo a professora da UFPR, isso se agrava ainda mais nos casos de pesquisa clínica. “Quando o assunto é a pesquisa clínica, a burocracia é maior. Quando estamos no processo de testagem de um medicamento ou um dispositivo, isso fica mais evidente, sobretudo considerando que estamos em um cenário de competitividade com laboratórios ou entidade privada, em pesquisa também nas mesmas áreas. Logicamente que temos regras de trâmite legal, mas o excesso de burocracia prejudica principalmente na demora para aprovação, o que favorece o mercado externo”, critica.